sexta-feira, 10 de abril de 2015

"Paulo Morais eleito Presidente da República" ou o pior pesadelo de Altino Bessa


O antro segundo Paulo Morais
Altino Bessa


Sónia Sapage
Uma boa parte do Parlamento eleito em 2011 está de candeias às avessas com Paulo Morais, o militante do PSD que foi vereador de Rui Rio, na Câmara do Porto, que faz parte da Assembleia Municipal de Ponte de Lima e que coordena a Transparência e Integridade, associação cívica fundada em finais de 2010 para lutar contra a corrupção e pela maior transparência na vida pública. Mas é como cronista do diário mais lido de Portugal, o Correio da Manhã – onde surge identificado como professor universitário – que Paulo Morais mais tem dado que falar. Os seus artigos denunciam, constantemente, os supostos conflitos de interesses dos deputados, com palavras duras e parangonas apelativas. Privataria, Maçãs Podres, Bankster, O estado da EDP ou O povo é que paga são alguns dos títulos que tiveram como alvo mais de uma dezena de parlamentares. De Miguel Frasquilho a Francisca Almeida.

Do PSD ao PS. De Braga a Lisboa. Da Agricultura à Energia.

Poucos dos envolvidos ficaram indiferentes aos ataques de Morais. Houve direitos de resposta, telefonemas inflamados, e-mails contrariados, comunicados via Facebook, recados através de amigos comuns e até ameaças de processos judiciais. «Tenho alguma sorte em viver no Porto e não me cruzar frequentemente com essas pessoas», assume o ex-autarca à VISÃO.

Mas, afinal, o que move Paulo Morais?

«Denunciar situações que podem não ser ilegalidades, mas que, do ponto de vista ético, são condenáveis», responde o autor dos artigos. «Isto é tudo muito popular. Dá-lhe mais de 800 likes no Facebook», ironiza Altino Bessa, deputado do CDS, que exigiu um direito de resposta e um pedido de desculpas público (que nunca aconteceu) depois de ter sido visado num artigo.

Paulo Morais não se esconde atrás das palavras e enumera todas as relações profissionais dos deputados que, reconhece, nem todos os portugueses têm obrigação de conhecer. Um dos seus textos mais incendiados e incendiários começa assim: «O Parlamento português converteu-se no maior antro de tráfico de influências do País. São muitos os deputados que utilizam o cargo público para fins privados. Foi publicado emjunho de 2012 e chama-se Maçãs Podres. Termina de forma tão dura como começa «Não se esqueçam, senhores deputados, que quando se misturam maçãs podres com maçãs boas, nunca são as podres que ficam boas…»

UMA QUESTÃO DE IMAGINAÇÃO?

Pelo meio, fica um resumo do que vinha sendo escrito ao longo dos meses anteriores. Que, «na comissão de acompanhamento do programa de assistência financeira do Estado português, têm assento deputados com interesses na banca, na EDP e nos principais grupos beneficiários do programa que deveriam fiscalizar». Que, na de «agricultura, há parlamentares que tutelam a atividade do ministério que atribui subsídios às empresas de que eles próprios são gerentes». Que «até a comissão de avaliação das Parcerias Público-Privadas incorpora deputados ligados ao setor imobiliário». E que «os campeões desta falta de vergonha são os advogados das grandes sociedades» (ver fichas).

Em declarações à VISÃO, Morais assume que só escreve o que escreve e «com a violência» com que o faz porque o «cidadão comum não consegue escrutinar todo um conjunto de informações formalmente públicas, mas que não são de fácil acesso, como é o caso das declarações de rendimentos». Por isso, está a trabalhar, há alguns meses, na criação de uma plataforma online que reunirá todos os elementos importantes referentes aos políticos, incluindo os registos de interesses e as declarações de rendimentos, numa só base de dados, disponível a todos os cidadãos infoincluídos. «É um projeto da associação Transparência e Integridade», explica. E visa confirmar, efetivamente, os eventuais conflitos.

A VISÃO contactou com alguns dos deputados que têm sido alvos do antigo autarca e a revolta é grande. O socialista Manuel Seabra queixa-se de que Morais «está a viciar» o sistema, ao «introduzir elementos de demagogia». Apesar de reconhecer que «há aperfeiçoamentos possíveis» na lei que regula os impedimentos e as incompatibilidades, Seabra sublinha que, no que lhe diz respeito, se trata de uma acusação «delirante». «Então a participação numa microempresa que faz pequenas obras de reabilitação urbana exclusivamente em prédios particulares impede os seus detentores de integrarem uma comissão de inquérito cujo objeto roda à volta da apreciação de contratos vultuosíssimos celebrados por grandes empresa com o Estado português? É preciso muito mais do que uma imaginação muito fértil.
O deputado queixa-se de que as insinuações de que foi alvo «prejudicaram» a sua imagem e «abalaram» a sua reputação «junto de colegas e amigos». Por isso, «telefonei a Paulo Morais, dando-lhe nota da minha indignação e da leviandade do que rinha escrito. Desligoume o telefone. Através de um amigo comum, tentei marcar uma conversa para o esclarecer. Ficou marcada. Dias depois, esse amigo telefonou-me dizendo que o Paulo Morais só aceitaria uma eventual conversa a três, amigo incluído. Percebi que não queria esclarecer o que quer que fosse e desisti de falar com ele.
A ÉTICA CHEGA?

Emídio Guerreiro também reagiu. «Ao ler o artigo nem percebi de que se tratava», assume à VISÃO. «Quando lhe liguei, fiquei a perceber que a razão por que ele escrevera aquelas coisas tinha a ver com o facto de a pequena empresa de que eu havia sido sócio ter a mesma Classificação das Atividades Económicas (CAE) que as concessionárias envolvidas das PPP. Ora, percebo a preocupação dele, mas se tivéssemos conversado, ele perceberia que nem tudo o que é imobiliário é PPP.»

Outro dos visados foi José Matos Correia, presidente da Comissão Parlamentar de Defesa. Paulo Morais desconfia das razões que levam a que os dois últimos presidentes dessa comissão venham do mesmo escritório de advogados, pertença de um ex-ministro da área (Rui Pena). «É o mesmo que um jornalista ir para a Entidade Reguladora da Comunicação Social e manter o posto de trabalho.» Para Matos Correia, tratade populismo. «O dr. Rui Pena foi ministro da Defesa entre 2001 e 2002. O que é que isso interessa agora? Os conflitos de interesses são aquilo que está na lei», diz o deputado.

A legislação não impede os deputados de serem consultores ou advogados de empresas que tenham negócios com o Estado. «É mais uma questão de ética», diz Morais.

Mas impede-os de votarem leis pontuais que envolvam os interesses particulares das empresas que os empregam (devem entregar declarações de voto para não participarem nas decisões).

Mas os deputados fazem-no? «Eu já o fiz três vezes», afirma Matos Correia.

Adolfo Mesquita Nunes (CDS), outro dos alvos de Morais, optou por se desvincular do escritório de advogados (de que era sócio principal), quando foi eleito.

«E suspendi a minha inscrição na Ordem de Advogados. Mantive-me apenas como consultor do escritório porque, como jurista, admito vir a prestar pareceres jurídicos. Mas pedi à Comissão de Ética que se pronunciasse sobre isso.» A Comissão não viu qualquer incompatibilidade. Mas Paulo Morais não concebe que Mesquita Nunes possa colaborar com o escritório que deu apoio à EDP no processo de privatização e ser membro da comissão que acompanha o memorando da troika (memorando que propôs as privatizações).

«Paulo Morais baseia-se no pressuposto errado de que essa comissão fiscaliza a privatização da EDP, o que não acontece», diz Mesquita Nunes.

No capítulo dos advogados, o antigo autarca não facilita. Depois de analisar as declarações de interesses dos deputados, Morais assumia, em dezembro, que o Parlamento se «abastardou» (Jornal de Notícias). «É um escritório de representacões», acusava, pedindo a intervenção da presidente da Assembleia da República, que não quis prestar declarações à VISÃO. Mendes Bota, líder da Comissão de Ética, comenta o assunto numa entrevista que publicamos nestas páginas e onde reconhece que «nem todos os conflitos de interesses são detetáveis».

Os deputados consideram que «a Transparência e Integridade é essencial para a democracia» (Mesquita Nunes), mas lembram que a associação «tem a responsabilidade acrescida de não lançar suspeições e insinuações» (Francisca Almeida) sem fundamentação sólida. Manuel Isaac (CDS) vai mais longe. «Paulo Morais diz que as maçãs (políticos) boas, no meio das podres, apodrecem. Então, que tipo de maçã (político) é ele?»

‘Nem sempre os conflitos de interesses são detetáveis’

O social-democrata José Mendes Bota, presidente da Comissão para a Ética da Assembleia da República, explica por que razão considera o atual sistema de verificação dos conflitos de interesse permissivo e o que se ganharia em estender o regime de impedimentos a certas áreas de atividade

- As situações de conflito de interesses estão bem acauteladas pela AR?

- A atual situação é insatisfatória, a vários níveis. Desde iogo. porque perfilho a opinião de que é necessário o reforço do controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos. De todos! E não apenas dos deputados, que são quem está sempre debaixo de fogo.

- Como podia garantir-se isso?

- Consolidando, por exemplo, numa só as várias obrigações declaratórias (registo de interesses, declarações patrimoniais, declaração de incompatibilidades e impedimentos). Admito também a possibilidade de se criar uma unidade única de controlo, reformulando competências do Conselho de Prevenção da Corrupção, do procurador-adjunto, do Tribunal Constitucional, da própria Comissão para a Ética. Não se pode, hipocritamente, deixar de escrutinar os rendimentos e património dissimulados em sociedades offshore, ou em nome de familiares.

- Que consequências têm os artigos de Paulo Morais para a imagem da AR?

- Tenho experiência parlamentar desde 1983 e mantenho a convicção de que a situação já foi muito pior, noutras alturas. A malha foi-se apertando, o escrutínio público também. Mas não foi o suficiente para eliminar a interação entre interesses públicos e privados no semáforo parlamentar. Os artigos do dr. Paulo Morais, pela crueza devastadora com que aponta casos concretos, afetam a imagem e a credibilidade do Parlamento. A AR deveria lançar um amplo debate sobre todas estas questões, retirar daí as necessárias ilações e corrigir o que deve ser corrigido, doa a quem doer.

- Qual é a sua posição sobre os deputados-advogados?

- Os advogados, magistrados e outros juristas dominam a tipologia profissional dos deputados. São 67. num total de 230. isto contrasta, por exemplo, com apenas um agricultor, dois estudantes e dois operários. E são os deputados com formação jurídica quem tem dominado, desde há muito, o processo legislativo, designadamente na autorregulação dos regimes de impedimentos, incompatibilidades, acumulações. Existem limitações para o deputado proprietário de uma papelaria vender um quilo de papel ao Estado. Mas não existe impedimento a que um deputado jurista possa intervir como consultor num processo de concessão de um serviço público que valha milhares de milhões de euros. Pode. voluntariamente, fazer declaração de interesse particular, mas a preservação do sigilo profissional funciona como escudo protetor. Poderão, eventualmente, ser cometidas ilegalidades, por distração ou inabilidade. O fundo da questão não é a ilegalidade, mas radica mais no campo da ética política.

- Deve impor-se exclusividade de funções aos deputados-advogados?

- Ser deputado e exercer simultaneamente uma profissão poderá configurar uma situação de vantagem competitiva. Mas não é um exclusivo dos advogados. Enquanto prevalecer o sistema que permite a acumulação do mandato parlamentar com atividades privadas, tenho dificuldade em compreender que uma determinada profissão seja excluída do exercício da atividade de deputado. Mas mais de metade dos deputados (117) acumula com funções no setor privado.

- Deviam estender-se os impedimentos a outras áreas?

- Oxalá estivesse enganado, mas duvido que exista força de vontade política para elevar o grau de exigência em matéria de incompatibilidades e impedimentos a um patamar superior da transparência e do combate ao tráfico de influências. A ficar-se pelos mínimos, deveriam alargar-se os impedimentos à consultoria, assessoria e patrocínio ao Estado, regiões autónomas, autarquias locais e demais pessoas coletivas, sociedades com capitais públicos, concessionários de serviços públicos, empresas concorrentes a concursos públicos.

Visão 2012-07-19

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